ORHAN PAMUK

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ORHAN PAMUK

(1952- )

Orhan Pamuk, um conhecido romancista turco nascido em Istambul, cresceu numa família rica, impregnada de valores ocidentais. Em 2006, recebeu o Prémio Nobel da Literatura. Os seus livros foram traduzidos para sessenta e três línguas, publicados em mais de cem países e venderam-se mais de treze milhões de cópias. No outono de 2009, deu uma série de palestras em Harvard, intituladas “O Romancista Sentimental e Inocente”. Em 2014, recebeu o prémio Helena Vaz da Silva em Portugal. Em 2006, quando foi entrevistado por Aida Edemerian para o The Guardian, falou sobre a relação da Turquia com a Europa: “Acho que há um movimento nacionalista na Turquia que abusa do sentimento de insegurança que a nação tem face à Europa, inventando um passado no qual a Turquia foi maltratada e humilhada pelas potências ocidentais.” Pamuk sempre defendeu que a Turquia devia juntar-se à EU mas em geral o autor adota uma atitude neutra relativamente à política doméstica. Ao longo da sua carreira literária, debruçou-se acima de tudo sobre a identidade e a história da Turquia. Vários dos seus romances abordam a temática do Ocidente e do Oriente, tentando analisar as duas culturas do ponto de vista de um observador. Hande Gürses diz-nos que “Pamuk recorre a vários binómios simbólicos como eu/outro, Ocidente/oriente, palavra/imagem, realidade/ficção, e original/imitação, dando-nos a alternativa de ver a identidade como produto da différance.” (Gürses 2012: 4). Depois de 1923, o governo turco forçou as pessoas a abraçar a cultura ocidental, dizendo que os turcos deveriam imitá-la para atingir um patamar civilizacional mais alto. A ocidentalização é um tema central na Turquia contemporânea. Sobre este assunto, Pamuk diz, em diversas ocasiões, apoiar a ocidentalização do país, sendo o seu propósito criar uma cultura que junte o passado do Oriente e o presente do Ocidente, como tenta fazer nos seus livros.

Pamuk debateu-se com dois problemas ao longo da sua carreira. Em primeiro lugar o confronto entre a tradição e a modernidade. Acha que o conflito entre o Oriente e o Ocidente está ligado a esta tensão fundamental. O segundo problema é o da marginalização da cultura, tradição e religião local, que, segundo ele resultou numa crise identitária. Nos seus romances, o leitor é sempre confrontado com um destes problemas.

Pamuk começou a sua carreira com Cevdet Bei e seus filhos, um romance histórico sobre o período que cobre e sucede a fundação da República Turca (1923). Neste primeiro romance, tentou abordar dilemas fundamentais da sociedade turca como os do Oriente e Ocidente, liberalismo e estatismo, conservadorismo e modernismo. Centra-se no modo como o herói lida com estes problemas. Por exemplo, Nusret vem de uma família burguesa e foi educado segundo os valores ocidentais, o que faz com que os outros personagens se refiram a ele como “o Europeu do Oriente”. Através de Nusret, Pamuk pode explorar ideias sobre o ocidente e a ocidentalização, tendo esta figura contornos autobiográficos. Autor e Nusret acreditam que só com uma revolução é que a Turquia poderia ocidentalizar-se.

Com o seu terceiro romance, A Cidadela Branca, publicada em 1985, Pamuk torna-se conhecido do grande público. Neste livro faz a transição de um estilo realista para um estilo pós-modernista. O romance descreve as tensões e as ligações entre diferentes realidades, debruçando-se sobre a relação de um escravo veneziano e um investigador otomano, a tradição e a modernidade, a ciência e a religião no século XVII. Ao mesmo tempo, Pamuk apresenta uma sociedade às portas da ocidentalização. Recorre a metáforas para demonstrar as diferenças entre Ocidente (o veneziano) e Oriente (o investigador otomano). O investigador otomano simboliza o mistério e o conservadorismo do ocidente e, por outro lado, o veneziano representa a ciência e a modernidade europeias. Apesar de o romance acabar de uma forma negativa, Pamuk dá-nos esperança quanto à possibilidade de uma melhor relação entre o ocidente e o oriente.

No seu sexto livro, O Meu Nome é Vermelho, publicado em 1998, Pamuk propõe-se a explorar a tensão entre o Oriente e o Ocidente de forma pós-modernista. No seu discurso de aceitação do Nobel, descreveu o livro como “aquele em que pude chegar a uma melhor compreensão do problema da autenticidade.” (Pamuk “A mala do meu pai”: 7). Lida com um certo número de temas sensíveis, como o confronto entre visões ocidentais e islâmicas sobre a arte, a violência sectária e o fosso entre as várias escolas de pensamento do Islão nos últimos anos de século XVI. Tentou explorar como o processo de ocidentalização irá esbarrar com vários problemas e inevitavelmente ser criticado por uma sociedade imersa na religião e na tradição. No romance, miniaturistas muçulmanos dizem que os artistas ocidentais representam o mundo como o veem, ao passo que os artistas islâmicos o pintam de acordo com a tradição e os preceitos de Deus. Para eles, adotar as técnicas dos venezianos significava trair a sua tradição.

Pamuk chamou a Neve o primeiro e último romance político da sua carreira. O livro coloca em destaque os temas-chave da política turca dos anos 90. No seu discurso do Nobel, Pamuk descreve o romance, e Istambul, como aqueles onde melhor compreendeu os problemas da vida na periferia (cf. idem: 406) A história passa-se em 1996, na pequena cidade turca de Kars, um dos locais mais negligenciados do país, como se refere no romance. Centra-se sobre as ideologias dos nacionalismos seculares (turcos), étnicos (curdos) e religiosos (islâmicos). O herói do romance vem da Alemanha para Kars depois de doze anos no exílio. Acaba por se encontrar no centro de uma trama terrorista e envolvido num caso amoroso. O New York Times nomeou o livro um dos melhores dez títulos de 2004. Graças a ele, Pamuk ganhou o Prémio Medicis de melhor romance estrangeiro em 2005.

No seu discurso de aceitação do Nobel, recorre a Dostoiévski para explicar a sua perspetiva: “O amor e ódio que Dostoiévski toda a vida sentiu pelo Ocidente, também eu o senti em muitas ocasiões. Contudo, se consegui compreender uma verdade essencial, se tenho motivos para ser optimista, é porque acompanhei este grande escritor numa viagem pela sua relação de amor-ódio com o Ocidente, indo avistar o mundo que ele construiu do lado de lá.” (idem: 407). Pamuk vive de momento em Istambul, onde continua a pesquisar materiais para os seus livros.

 

Antologia breve

Foi na Itália da Renascença que tudo começou a iluminar-se. É a pátria das Luzes. (2017: 104)

Segundo Demolins, a superioridade dos ingleses consiste no facto de, em Inglaterra, as pessoas, os indivíduos serem mais livres do que, por exemplo, aqui na Turquia. No nosso país, a liberdade não existe. Ninguém é livre, ninguém tem iniciativa própria, ninguém se serve da sua massa cinzenta. Aqui, todos são educados para se tornarem escravos, curvarem-se perante os poderosos, tremer de medo de tudo o que não seja convencional e passar despercebido. (idem: 92)

Esforçando-me por dominar a emoção, fiz gala de todos os meus conhecimentos médicos e literários. Contei-lhes todas as descrições da peste que me recordava ter lido em Hípócrates, Tucídides ou Bocácio; expliquei-lhes que ultimamente se acreditava na natureza contagiosa dessa doença. (2000: 81)

Mas o Mestre conseguia abordar outros assuntos, de que me falava com arrebatamento: o que causava as correntes do Bósforo? Em que podia ser útil o estudo e a compreensão da vida tão metódica das formigas? De onde provinha a força do magnetismo terrestre, para além da vontade de Deus? Que importância tinha este ou aquele movimento dos astros? (idem: 113)

Terão os animais uma alma, ou que espécies animais a terão, quais as que irão para o inferno ou para o paraíso, será o mexilhão do sexo feminino ou masculino, será o sol que nasce todas as manhãs um novo sol, ou será que o antigo se pôs na véspera faz um desvio para surgir novamente do outro lado todas as manhãs, e por aí fora. (idem: 123)

Que a peste possa ter sido usada como teste de tornassol para a divisão Oriente-Ocidente é outra velha ideia. Algures nas suas memórias, Baron de Tott diz: “A peste limita-se a matar um turco, mas un franco sofre o tormento bem pior do medo da morte!” Este tipo de observação não é, em minha opinião, nem um disparate nem uma amostra da ciência; é um de muitos pequenos pormenores que usei para criar a textura do livro. (idem: 257-258)

Disse que nessa última miniatura o desgraçado do teu Tio utilizara sem escrúpulos o método da perspectiva, que as coisas não estavam desenhadas à medida da sua importância aos olhos de Deus, mas como nós as vemos, e como as pintam os europeus. Primeiro pecado. O segundo pecado era ter representado o nosso Sultão, califa do Islão, do mesmo tamanho que um cão. E, terceiro, também Satanás, do mesmo tamanho, e com um aspecto favorável. Mas o cúmulo da infâmia era a ideia de pintar, como na Europa, o rosto do sultão ao natural, com todos os pormenores. Como os pagãos! (2007: 447)

É assim que a dupla preocupação, como fazem os pintores da Europa, de pintar uma árvore em si mesma, e de observar o mundo à maneira persa, isto é, de cima, resultava em qualquer coisa de melancólico. Pensei:”Dir-se ia uma árvore perdida nos confins da terra.” (idem: 289)

 

Bibliografia ativa selecionada

PAMUK, Orhan (2017), Cevdet bei e seus Filhos, trad. Álvaro Manuel Machado, Lisboa, Editorial Presença.

— (2011), A Neve, trad. Filipe Guerra, Lisboa, Editorial Presença.

— (2009), “Posfácio a Cidadela Branca”, in Outras Cores, trad. Miguel Romeira, Lisboa, Editorial Presença, 253-258.

— (2007), O Meu Nome é Vermelho, trad. Filipe Guerra, Lisboa, Editorial Presença.

— (2006), “A Mala do Meu Pai (Conferência do Prémio Nobel)”, in Outras Cores, trad. Miguel Romeira, Lisboa, Editorial Presença, 399-410.

— (2000), A Cidadela Branca, trad. portuguesa de Manuela Vaz, Lisboa, Editorial Presença.

 

Bibliografia crítica selecionada

BIÇER, Bora (1998), Orhan Pamuk’un Romancılığı ve Romanları Üzerine Bir İnceleme. (Bitirme Tezi). [A Review of Orhan Pamuk’s Novels and His Working Styles (Thesis)] Isparta: Süleyman Demirel Üniversitesi Sosyal Bilimler Enstitüsü.

EDEMERIAM, Aida (2006), “Turkish Writer Orhan Pamuk” The Guardian (2006). • Engin Kılıç (Ed). Orhan Pamuk’u Anlamak [Understanding of Orhan Pamuk.] (p. 361-380). İstanbul: İletişim Yayınları.

EROL, Sedat (2014), Orhan Pamuk’un Romanlarının Tema Bakımından İncelenmesi. [The Investigation of Orhan Pamuk’s Novels In Terms of Theme (MA thesis)]. (Yüksek Lisans Tezi).Adıyaman Üniversitesi Sosyal Bilimler Enstitüsü.

GÜRSES, Hande (2013). Fictional Displacements: An Analysis of Three Texts by Orhan Pamuk. UCL (University College London).

 

Sesil Ertür (trad. João Paulo Guimarães)

Como citar este verbete:

ERTÜR, Sesil (2018), “Orhan Pamuk”, trad. João Paulo Guimarães, in A Europa face a Europa: prosadores escrevem a Europa. ISBN 978-989-99999-1-6. https://aeuropafaceaeuropa.ilcml.com/pt/verbete/orhan-pamuk/