(1955- )
Dame Carol Ann Duffy nasceu em Glasgow e é a primeira poeta escocesa mulher e abertamente homossexual a ter assumido, entre 2009 e 2019, funções de Poet Laureate, uma posição honorária atribuída pela monarquia do Reino Unido (cf. Dowson 2016).
A Europa é uma presença residual na lírica de Carol Ann Duffy. Cartografa-se a partir de poemas em que a autora revisita a tradição literária – “Translating the English 1989” (1990), “Père Lachaise” (1990), “Anne Hathaway” (1999) –; em poemas sobre política que criticam a União Europeia, como “Politics” (2009), “Parliament” (2009) e “The Ex-Ministers” (2018); sobre a imigração, como “Poet for our Times” (2011); e sobre dinheiro, como “Money Talks” (1987) ou “Making Money” (1990). Há também poemas que inscrevem a Grã-Bretanha na Europa e nas suas ex-colónias, respetivamente “Last Post” (2009), poema que é uma homenagem aos combatentes da Primeira Grande Guerra, e “The Throne” (2013), homenagem à Rainha Isabel II.
“Last Post” (2009) é uma eulogia aos soldados britânicos que morreram na Primeira Grande Guerra. A poeta então laureada usou mecanismos poéticos de renarrativização e o discurso cinematográfico para rebobinar a história dos combatentes e criar imagens vívidas dos prazeres para que eles poderiam ter voltado: “there’s coffee in the square, / warm French bread / and all those thousands dead / are shaking dried mud from their hair / and queuing up for home. Freshly alive”; “If poetry could truly tell it backwards, / then it would” (Duffy 2009: 4-5).
Publicado no rescaldo de escândalos sobre despesas parlamentares, o furioso poema “Politics” (2009) é um libelo sobre a corrosão da política entre os representantes eleitos e os seus efeitos perniciosos no idealismo (cf. Brown, 2009). Já o divertido “Parliament” (2009) satiriza a inércia do parlamento britânico face à crise climática global, equiparando uma reunião dos representantes eleitos da nação a um encontro informal entre animais selvagens: “an owl grieved in an oak. / A magpie mocked. A rook / cursed from a sycamore. / The cormorant spoke: / Stinking seas / below ill winds. Nothing swims. / A vast plastic soup, thousand miles / wide as long, of petroleum crap” (Duffy 2009: 50; itálico no original).
Na mesma senda crítica, o poema “The Ex-Ministers” (2018) dramatiza a distância entre o estilo de vida protegido, circunscrito e privilegiado dos políticos da União Europeia, independentemente da sua filiação ideológica, e o das longínquas massas impotentes à custa das quais os primeiros se sustentam. Um aparelho lucrativo é o que resta da democracia europeia, cujos ideais fundadores foram esquecidos pelos seus representantes.
Com o encenador Rufus Norris, Duffy escreve, em 2017, My Country: A Work in Progress in the Words of People across the UK. Nesta peça sobre o Brexit, Britannia convoca uma reunião para ouvir as suas regiões: Caledonia, Cymru, East Midlands, North East, Northern Ireland e South West. Na performance do National Theatre of Great Britain, os atores que incarnam cada região seguram fotos dos cidadãos de todas as idades que a companhia entrevistou imediatamente após a votação do Brexit (cf. Billington 2017). Os testemunhos são entretecidos com discursos políticos recentes. Num sagaz artigo, Shauna O’Brien (2019) argumenta que o recurso de Duffy ao teatro verbatim apenas contribui para desconstruir ironicamente os mecanismos de autenticidade da vox populi que a estratégia citacionista geralmente desencadeia.
Não obstante a bem-intencionada injunção final de Britannia de que as ilhas usem a sua generosidade para buscar e pugnar por boa liderança, a Europa prefigura-se bode expiatório de descontentamento popular, uma vez que o referendo revela quão fraturado está o Reino Unido: “The EU doesn’t work. It’s one size fits all […] and we’re different countries with different histories” (Duffy & Norris 2017: 16); “Britain has always been […] self-sufficient” (ibidem); “We have the character of an island nation – independent, forthright, passionate in defence of our sovereignty” (15); “I sense that countries of Europe are less […] passionate about their borders and their flag” (ibidem); “the EU is like […] an older sibling who’s on the dole” (ibidem). A peça reverbera a ideia de um mau funcionamento da Europa que expõe as disjunções intrínsecas à articulação forçada das nações que compõem o Reino Unido.
De particular arrojo no contexto da década em que aceitou exercer funções institucionais de Poet Laureate, o caráter interventivo da poesia de Duffy demonstra uma porosidade à atualidade política (cf. Winterson, 2015) específica da literatura do século XXI, subsumível na noção de Bruno Blanckeman de escrita implicada, por oposição a literatura engajada: “si l’engagement subordonnait volontiers le traitement de la forme littéraire à la primauté de l’objet visé, l’implication se joue d’emblée en termes de modélisation esthétique : trouver la juste forme, désagencée/réagencée, pour désigner le bât qui blesse et penser la question de fond, le principe politique et éthique mis en cause à travers des dysfonctionnements éprouvés” (Blanckement 2013: s/p; itálico no original. Vide também Brun & Schaffner 2015). Em conclusão, Carol Ann Duffy apresenta-se como uma escritora a quem o tema da Europa não é indiferente, demonstrando interesse no projeto, ainda que permaneça vigilante e ironicamente crítica em relação à dimensão material das políticas contemporâneas.
Lista de poemas sobre a Europa
“Money Talks”, Selling Manhattan (1987)
“Making Money”, The Other Country (1990)
“Last Post”, The Bees (2009)
“Politics”, The Bees (2009)
“Parliament”, The Bees (2009)
“Poet for our Times”, Collected Poems (2015)
“The Throne”, Collected Poems (2015)
“The Ex-Ministers”, Sincerity (2018)
My Country: A Work in Progress in the Words of People across the UK (2017) [peça de teatro]
Antologia breve
Last Post
‘In all my dreams, before my helpless sight,
He plunges at me, guttering, choking, drowning.’
If poetry could tell it backwards, true, begin
that moment shrapnel scythed you to the stinking mud…
but you get up, amazed, watch bled bad blood
run upwards from the slime into its wounds;
see lines and lines of British boys rewind
back to their trenches, kiss the photographs from home-
mothers, sweethearts, sisters, younger brothers
not entering the story now
to die and die and die.
Dulce- No- Decorum- No- Pro patria mori.
You walk away.
You walk away; drop your gun (fixed bayonet)
like all your mates do too-
Harry, Tommy, Wilfred, Edward, Bert-
and light a cigarette.
There’s coffee in the square,
warm French bread
and all those thousands dead
are shaking dried mud from their hair
and queuing up for home. Freshly alive,
a lad plays Tipperary to the crowd, released
from History; the glistening, healthy horses fit for heroes, kings.
You lean against a wall,
your several million lives still possible
and crammed with love, work, children, talent, English beer, good food.
You see the poet tuck away his pocket-book and smile.
If poetry could truly tell it backwards,
then it would.
in The Bees (2009: 4-5)
Politics
How it makes of your face a stone
that aches to weep, of your heart a fist,
clenched or thumping, sweating blood, of your tongue
an iron latch with no door. How it makes of your right hand
a gauntlet, a glove-puppet of the left, of your laugh
a dry leaf blowing in the wind, of your desert island discs
hiss hiss hiss, makes of the words on your lips dice
that can throw no six. How it takes the breath
away, the piss, makes of your kiss a dropped pound coin,
makes of your promises latin, gibberish, feedback, static,
of your hair a wig, of your gait a plankwalk. How it says this –
politics – to your education education education; shouts this –
Politics! – to your health and wealth; how it roars, to your
conscience moral compass truth, POLITICS POLITICS POLITICS.
In The Bees (2009: 12)
The Ex-Ministers
They rise above us, the ex-ministers,
in private jets, left wing, right wing, drop low
to Beijing, Kuwait, the Congo, Kazakhstan;
their deals and contracts in the old red boxes,
for sentimental reasons.
Beyond our shores,
they float on superyachts, Nostrovia!,
guests of the mortal gods; the vague moon a bitcoin.
We are nothing to them now; lemmings
going over the white cliffs of Dover.
And when they are here, they are unseen;
chauffeured in blacked-out cars to the bars
in the heavens – far, glittering shards –
to look down
on our lucrative democracy.
Though they have bought the same face,
so they will know each other.
in Sincerity (2018: 20)
Bibliografia ativa selecionada
DUFFY, Carol Ann (2004), New Selected Poems 1984-2004. London: Picador.
— (2009), The Bees. London: Picador.
— (2015), Collected Poems. London: Picador.
— (2018), Sincerity. London: Picador.
DUFFY, Carol Ann & NORRIS, Rufus (2017), My Country: A Work in Progress in the Words of People across the UK. London: Faber and Faber.
Bibliografia crítica selecionada
BILLINGTON, Michael (2017), “My Country: A Work in Progress review – Carol Ann Duffy tackles Brexit”. The Guardian, 12 de março de 2017. Acessível em www.theguardian.com/stage/2017/mar/12/my-country-a-work-in-progress-review-carol-ann-duffy-visits-brexit
BLANCKEMAN, Bruno (2013), “L’écrivain impliqué : écrire (dans) la cité”. In Havercroft, B. & Blanckeman, B. (Eds.), Narrations d’un Nouveau Siècle. Romans et Récits Français (2001-2010). Paris: Presses de la Sorbonne Nouvelle, pp. 71-81. Acessível em books.openedition.org/psn/471
BROWN, Mark (2009), “Carol Ann Duffy leaps into expenses row with first official poem as laureate”. The Guardian, 13 de junho de 2009. Acessível em www.theguardian.com/books/2009/jun/12/carol-ann-duffy-politics-laureate
BRUN, Catherine & SCHAFFNER, Alain (dir.) (2015), Des Écritures engagées aux écritures impliquées. Littérature française XXe/XXIe siècles. Dijon: Éditions Universitaires de Dijon.
DOWSON, Jane (2016), Carol Ann Duffy. Poet for our Times. London: Palgrave Macmillan.
O’BRIEN, Shauna (2019), “Divided by a common language”: The use of verbatim in Carol Ann Duffy and Rufus Norris’ My Country; A Work in Progress”. Humanities, 8: 1, pp. 1-14.
WINTERSON, Jeanette (2015), “On the poetry of Carol Ann Duffy – of course it’s political”. The Guardian, 17 de janeiro de 2015. Acessível em www.theguardian.com/books/2015/jan/17/jeanette-winterson-on-carol-ann-duffys-the-worlds-wife
Helena I. Lopes
Como citar este verbete:
LOPES, Helena I. (2023), “Carol Ann Duffy”, in A Europa face à Europa: poetas escrevem a Europa. ISBN: 978-989-99999-1-6.