(1949-)
Vencedora do Neustadt Prize for International Literature (2016) , autora de vários ensaios, romances e ficções breves, Dubravka Ugrešić desafia completamente as usuais classificações das literaturas pela nacionalidade dos seus autores. Nascida na antiga Jugoslávia, a desintegração do país, no início da década de 90, torná-la-ia numa cidadã croata. Contudo, Ugrešić rapidamente se mostrou em completo desacordo com o rumo nacionalista e xenófobo do novo establishement, pelo que em 1993 trocou a Croácia pelo exílio, primeiro em Berlim, depois em Amsterdão, onde se encontra emigrada há mais de 20 anos.
Se bem que tenha continuado a escrever em croata, as suas obras têm sido sempre publicadas em tradução inglesa e apresentam-se como um dos casos mais relevantes da escrita literária europeia expressamente «transnacional» ou mesmo «anacional», assinada por uma autora avessa a qualquer culto de patriotismo.
Em romances como The Museum of Unconditional Surrender (1998) e The Ministry of Pain (2005) sobressaem os traços da melancolia e da ironia da Europa posterior à Queda do Muro de Berlim, atravessada sobretudo por vidas de desilusão e exílio ( Mendes, 2014). Apesar do seu fundo autobiográfico, trata-se de narrativas, ou «fragmentos autobiográficos» ( Karpinski, 2013) que não abdicam do constructo ficcional para que concorre a elevada consciência da autora, também especialista de literatura, em especial das vanguardas russas. Já no domínio ensaístico, Dubravka Ugrešić tem-se concentrado bastante na reflexão quer sobre a emergência dos novos estados sustentados por imperativos ideológicos e comerciais (Ugrešić, 2011: 22), quer sobre os esforços de actualização e recuperação de audiências nas práticas culturais de (con)fusão pós-modernista, designadamente nas sociedades pós-comunistas da chamada Europa de Leste, como acontece em «Post-Communist Practice: Valentina and Emir» (idem: 45-55).
Não obstante ter sido insultada pela imprensa croata como um das “bruxas croatas”, acusada de traição, de «jugonostalgia» e de ser uma autora de «salão internacionalista», (idem:218-219), Dubravka Ugrešić.tem-se mostrado uma crítica daquilo mesmo de que a acusaram, e acima e tudo uma analista arguta da cultura contemporânea – desde a cultura literária à cultura de massas. A sua intervenção nestes domínios assume-se quer como resistência pessoal às tentativas oficiais de confiscação da memória colectiva e à euforia pós-comunista, quer como denúncia de alguns fenómenos como a «jugonostalgia» que, como a autora aponta no seu Europe in sepia, se tornaram num mero comércio de massas e numa estratégia de conciliação de esquecimento ( Ugrešić, 2014: 11-12).
De resto, esse seu «retrato a sépia» da Europa é por demais significativo da sua visão disfórica sobre o universo social, político e cultural europeu, por viver fundamentalmente do passado, sem verdadeiras perspectivas de futuro. Em duas décadas, escrevia a autora em 2013, a Europa e o resto do mundo tornaram-se num caótico «mega-mercado» num «Circo», ou seja num entretenimento global ( idem: 101), que mais não é do que uma metáfora de caos e de loucura generalizados.. Importará também notar que para esta visão da Europa concorre muito em particular o desassombro com que, já em Karaoke Culture, Dubravka Ugrešić analisava o sistema literário europeu, completamente invadido pela indústria americana de cultura de massas (Ugrešić, 2011: 169).
Curiosamente, a sua experiência na viagem do comboio de escritores que atravessou a Europa, em 2000, parece ter contribuído para essa visão melancólica, quando não mesmo sarcástica, da literatura europeia e dos festivais literários, encarados como mais um espectáculo ao modo da Eurovisão da Canção, perspectiva que a escritora desenvolve em várias passagens do seu Nobody’s Home , designadamente no capítulo “Europe, Europe” (Ugrešić, 2007:99-120).
Consciente dos efeitos perversos da divisão entre «literaturas centrais» e «literaturas periféricas» na Europa, fazendo das primeiras promotoras de ideais universais e relegando as segundas para o domínio das especificidades locais (idem: 185), a autora imagina outras formas de associação de escritores no espaço europeu, aquém e além das nacionalidades, tanto mais que têm crescido na Europa zonas de liminaridade, espaços literários intersticiais (Ugrešić, 2011: 172.
É nesse sentido que Dubravka Ugrešić equacionará a (im) possibilidade de uma «República da literatura kakania», que embora possa lembrar o constructo cultural em torno da «Europa central» ou «Mitteleuropa» que em tempos entusiasmou escritores como Milan Kundera, György Konrád ou Joseph Brodsky, neste caso é imaginada como um espaço onde os escritores seriam obrigatoriamente despojados de quaisquer deveres de representatividade nacional, religiosa ou étnica, sendo o seu ingresso determinado apenas pelo próprio trabalho literário (Ugrešić, 2011: 296). Não por se esquivar a debruçar-se sobre a realidade contemporânea , mas por não abdicar da independência do olhar crítico com que analisa e descreve, de modo quase sempre bipolarizado, o mundo actual , Dubravka Ugrešić é acima de tudo, e como bem assinalou David Williams, uma escritora que em qualquer dos registos, está consciente da responsabilidade de o ser: “[…]an author who when making jokes makes sure she has her turn on the receiving end, when mourning or moralizing questions her right to do so, and who when serving up satiric indictements has her own name appear among the accused. In a less anonymous and less liquid epoch, these things might have been called the responsibility of the writer.” (apud Ugrešić, 2011:324)
Antologia breve
“Most of the culture of Europe came out of the vortex of these fundamental oppositions, from the dynamics of center and periphery, metropolis and the provinces, the palanka and the world. […] Culture has taken the place of the mumbo-jumbo of European political lingo and substance, and, hey, the main substance of European unification has suddenly become culture. Culture is the ideological Euro, the means of communication […]
So what is culture , then? Culture is a phenomenon that serves for all sorts of things, from money laundering to laundering the collective national conscience, […]”
in Karaoke Culture (2011: 295)
“The idea of «culture against money» is essentially religious. Culture is bout money just as religion is, after all. My fellow travellers from the Literaturexpress Europa 2000 did not fail to understand this. Grumbling about their joint public statements, about every manipulation of political engagement, about acting as a group, they gave the upper hand to the words: image, publicity, network, lobby, and management, and at the end of the trip, they made a joint public statement after all. It was essentially a statement about the practical nature of a writer’s work, about future transactions from one language into another, packaged in the unity through diversity brussels ideology.”
in Nobody’s Home (2007: 120)
“European «cultural identity » – whatever that means – is «threatened » by the pervasive American industry of mass culture; with the East Europeans who are awaiting acceptance , each toting their cultural bundle; and with emigrants of the non-European cultural circle – most painful point, by the way, of the European cultural subconscious – whose numbers are rising ominously with every passing second”
in Nobody’s Home (2007:169-170)
“Lately I’ve caught myself turning the faces and hues of Central Europe into photographs, an automatic click on an internal camera and I’m done. A second later an iPhoto program whirrs inside me: import-effects-sepia-done. It’s as if the surrounding reality is a screen , stuck to my hand an invisible remote with three options:past, present, future. But only one of them works: past, sepia.”
in Europe in Sepia (2013: 19)
“What messages does the European today send out to the Europe of tomorrow?
If one were to ask me, as a writer I would , perhaps predictably, immediately think about human beings, of a record of everyday human lives, something akin to a perfect ( and perfectly monstrous!) archive for future readers, its files taking account of the smallest details of the lives of regular, anonymous people, like the archive of Danilo Kiš’s The Encyclopedia of the Dead, inspired by a newspaper report on the Mormon archives.”
in Europe in Sepia (2013: 77-78)
Bibliografia ativa selecionada
UGREŠIĆ, Dubravka (2013), Europe in Sepia, translated from the croatian by David Williams, New York, Open Letter.
— (2011), Karaoke Culture, translated from the Croatian and with an Afterword by David Williams), University of Rochester, Open Letter.
— ( 2007), Nobody’s Home, (trad. Ellen Elias-Bursac), London/Berkeley, Telegram.
— (2005), The Ministry of Pain (trans. Michael Henry Heim), London, Saqi.
— (1998a), The Museum of Unconditional Surrender (trans. Celia Hawkesworth). London, Weidenfeld and Nicolson.
— (1998b), The Culture of Lies (trans. Celia Hawkesworth). London, Weidenfeld and Nicolson.
Bibliografia crítica selecionada
ANDERSON, Alison (2017) , “Dubravka Ugrešić and Contemporary European Literature Along the Path to Transnational Literature”, World LiteratureToday , January consultável em https://www.worldliteraturetoday.org/2017/january/dubravka-ugresic-and-contemporary-european-literature-along-path-transnational]
KUHLMAN, Martha (1999),. “The Ex(centric) Mind of Europe: Dubravka Ugrešić.” World Literature Today 73, pp. 423–428
KARPINSKI, Eva C.. (2013) ,” Postcards from Europe; Dubravka Ugrešić as Transnational Public Intellectual, or Life Writing in Fragments”, The European Journal of Life Writing, Vol 2 [ consultável em http://ejlw.eu/article/view/55/150]
MENDES, Ana Paula Coutinho (2014), “Asas do exílio em Berlim: cruzando Dubravka Ugresic e W.Wenders/P. Handke”, Dedalus: Revista Portuguesa de Literatura Comparada, 17-18, pp. 313-331.
VANUSHKA, Karen “Citizen of Literature: Dubravka Ugrešić” , The Quarterly Conversation, 17 [ consultável em http://quarterlyconversation.com/citizen-of-literature-dubravka-ugresic. ]
WILLIAMS, David (2010), “Europeans without Euros”:Alternative Narratives of Europe’s ‘New Happiness’, Australian and New Zealand Journal of European Studies, Vol.2(1).
— (2013), Writing Postcommunism, Towards a Literature of the East European Ruins. Palgrave Macmillan.
Ana Paula Coutinho
Como citar este verbete:
COUTINHO, Ana Paula (2017), “Dubravka Ugresic”, in A Europa face a Europa: prosadores escrevem a Europa. ISBN 978-989-99999-1-6.
https://aeuropafaceaeuropa.ilcml.com/pt/verbetes/dubravka-ugresic/