(1984- )
Marek Šindelka é um poeta e romancista checo. Ficou conhecido através da publicação de uma coletânea de poesia, Strychnin, premiada em 2006 com o prémio Jiří Orten. O primeiro romance, Chyba (2008) ([Aberrante] não traduzido em português), colheu comentários muito favoráveis na crítica e no público leitor em geral. Uma coletânea de novelas é publicada em 2001, intitulada Zůstaňte s námi ([Fiquem à escuta] não traduzido em português] – a qual exprime uma visão crítica e irónica da sociedade contemporânea, premiada com o prémio Magnesia Litera em 2012, e nomeada no mesmo ano para o prémio Josef Škvorecký. A coletânea de novelas Mapa Anny ([O Mapa de Anna] não traduzida em português) é publicada em 2017.
Mas foi o romance Únava materiálu (2016) [A Fadiga do material], não traduzido em português, que conheceu um franco êxito na crítica literária, e fez definitivamente descobrir Marek Šindelka graças à tradução, nomeadamente pelo tratamento da questão migrante na Europa na sequência da crise migratória de 2015.
Este romance coral, bastante realista, narra o périplo de dois jovens irmãos (Amir e o irmão) em fuga do seu país de origem, enquanto refugiados clandestinos, após a morte dos pais num bombardeamento na Síria. Chegam em separado à Europa, em plena crise migratória nas fronteiras do espaço Schengen. Combinaram reencontrar-se numa cidade europeia nórdica: “Não fazia a mínima ideia do lugar exato onde estava, a que distância ficavam as cidades. Precisava de uma cidade. Fosse ela qual fosse” (Šindelka 2021: 15).*
A Fadiga do material – note-se a relevância do título – insiste na experiência de esgotamento físico, psicológico e anímico dos migrantes ilegais na tentativa de chegarem à Europa, considerada, demasiado depressa, como porto de abrigo, e começarem “uma vida nova” (idem: 33). O título remete, pois, para a “fadiga” de querer chegar a um lugar (a Europa), o que faz do romance uma narrativa eminentemente espacial e móvel sobre a resiliência dos migrantes na Europa confrontados com o desgaste do “material” humano.
Por outro lado, o destino de uma cidade europeia nunca nomeada tem por efeito não diferenciar a Europa e os europeus, vistos a partir do olhar e da focalização do migrante, cujo estatuto vitimário fica sublinhado. De igual modo, o mapa do continente europeu consultado por Amir numa estação escandinava confirma a perceção confusa da Europa. De certa forma, A Fadiga do material levanta a questão das fronteiras intraeuropeias enquanto balizas incompreensíveis de uma fortaleza fragmentada, embora cobiçada quando comparada com o outro lugar deixado na aflição. As fronteiras afiguram-se também como o marco físico de representações, muitas vezes estereotipadas, mas claramente negativas, da Europa e dos europeus, acusados de calculismo, avareza e hipocrisia (idem: 81, 156), a que acresce uma propensão para a comiseração caritativa para com os migrantes (idem: 125).
A Europa surge, pois, como nacionalista, xenófoba e islamofóbica, agarrada a certezas identitárias falsamente tranquilizadoras.
* As traduções são nossas a partir da tradução francesa.
Antologia
Veio um indivíduo encarregar-se do grupo. Um europeu. Amir não conseguia adivinhar a sua nacionalidade. Uma pele branca pontilhada de sinais de nascença, alto, loiro, vestido com uma jardineira (Šindelka 2021: 15).
Várias centenas de indivíduos se amontoavam diante do mapa da Europa, situado na galeria. Alguns permaneciam sentados em bancos de pedra, outros dormiam no chão. De vez em quando, levantava-se alguém e aproximava-se do mapa, com os olhos ainda ensonados, examinava-o muito tempo em silêncio. Alguns tocavam nele, outros mediam uma distância inútil entre fragmentos de Estados, separados por cores. Demoravam algum tempo, e depois voltavam para o lugar. Depois, vinha outro. Como se fosse preciso controlar incessantemente o continente. Velar pelas redes de todas as rotas que uniam os milhares de pontos de cidades desconhecidas (idem: 121-122).
“Go Turkey, no Europe!”. Amir olhava para um e para outro, aflito. “Go Africa!” Todos os demais gritavam alguma coisa; Amir via a sua excitação crescer, os olhos arregalados brilhavam para ele, o chefe ia gritando algo, e o magro traduzia num inglês básico: “No Islam here. No terrorist. You want kill people?” (idem: 144).
Bibliografia ativa selecionada
Šindelka, Marek (2021 [2016]), La Fatigue du matériau [A Fadiga do material] Genève, Éd. des Syrtes.
Bibliografia crítica selecionada
A bibliografia crítica sobre a obra de Marek Šindelka não é extensa, nomeadamente em português, o que no-la torna inacessível.
Webgrafia
https://en.mareksindelka.com/
José Domingues de Almeida
Como citar este verbete:
ALMEIDA, José Domingues de (2022), “Marek Šindelka”, in A Europa face à Europa: prodadores escrevem a Europa. ISBN: 978-989-99999-1-6.