(1971 – )
Elif Şafak é a romancista mais lida e aclamada na Turquia. Nasceu a 25 de outubro de 1971, em Estrasburgo. Pouco depois, os seus pais divorciaram-se, tendo Şafak sido criada pela mãe. Aliás, a autora usa apenas o apelido da mãe (Şafak). O seu percurso escolar fez-se em vários lugares, visto que a mãe era diplomata. A nível académico, focou-se sobretudo na figura das mulheres e da sua posição na literatura. Foi premiada por uma associação de Ciências Sociais pela sua tese de mestrado. Foi precisamente enquanto estudava para a tese de mestrado que publicou o seu primeiro livro de histórias, Kem Gözlere Anadolu, e o seu primeiro romance. Tem até agora 16 livros publicados, dos quais dez são romances. Os seus principais pontos de interesse são Istambul, o feminismo e os direitos das mulheres, a liberdade de expressão, a política, o misticismo, a dicotomia Oriente-Ocidente. Numa sessão da TedXGlobal, apresentou-se como uma “cidadã de Istambul, mas também dos Balcãs, do Egeu, do Mediterrâneo, do Médio Oriente, do Levante. Sou europeia de nascimento e de escolha, são esses os valores que defendo. Tornei-me cidadã de Londres ao longo dos anos. Gosto de me definir como um ser global, uma cidadã do mundo, uma nómada e uma contadora de histórias itinerante. Tenho muitas raízes, todos temos. E muitas raízes significam muitas histórias.” Şafak acredita que, para a formação da nossa identidade, a política divide mas a ficção une. Para a autora, a literatura e a ficção são o fluxo da vida e afetam as nossas preferências e as nossas escolhas. Şafak usa as diferenças entre o Oriente e o Ocidente para fazer comparações e explicar as suas observações. Por exemplo, refere que a sociedade ocidental se vê como sólida, segura, estável. O seu lado ocidental acredita que o outro lado (o oriental) deveria reforçar os ideais do feminismo, do ativismo e dos direitos humanos. A especialidade de Elif Şafak é também o uso do misticismo nas suas obras. Por exemplo, cada momento, cada situação e cada protagonista estão ligados mutuamente e, no final do livro, a autora aponta para o que cada relação representa. Şafak é membro do Conselho Europeu de Relações Externas e embaixadora da campanha Culture Action Europe. Em 2012, dois anos depois de publicar Fourty Rules of Love, fora nomeada para o Prémio Literário Internacional IMPAC. E, em 2014, ficou em segundo lugar, com louvor, no Prémio Escapade France.
As histórias nos romances de Elif Şafak são baseadas em diferentes nacionalidades, culturas e países. A perspetiva multicultural torna-se uma matéria de primordial importância na obra da autora. Apesar disso, a questão da nacionalidade acaba por ter uma importância apenas residual nos seus romances. O nacionalismo e a nacionalidade turca, nos romances de Şafak, não são explorados de acordo com a definição mais comum do conceito de nacionalidade (Kırımlı 2010: 261). É disso exemplo o seu romance Şehrin Ayniujmaları (Mirrors of the City), de 1999. Utilizando um estilo pós-moderno nesta obra, Şafak mencionou diferentes partes da Europa, explorando a cultura europeia e interligando-a às culturas turca e otomana, num livro em que cada leitor pode descobrir algo diferente. Simultaneamente, Şafak analisou a sociedade e apresentou-a com sucesso ao leitor. O enredo de Şehrin Aynaları começa em Madrid, no final do século XVI, continuando até Istambul. Durante a história, a autora refere muitos lugares e personagens distintos, aborda a religião ou eventos históricos como a Inquisição, a rebelião da Igreja ou a regência através do medo. O herói da história, Alonso Perez de Herrera, incita os cristãos a agirem contra pessoas de outras crenças. Outras personagens com papel muito significativo são Antonio e Miguel Pereira, como símbolos da família e dos estratos sociais mais elevados. Depois, a história passa para outros lugares, com os protagonistas a refugiar-se nas comunidades judaicas do Império Otomano. Todo o enredo está também repleto de misticismo: os protagonistas são sempre seguidos por magia, génios, demónios ou anjos da guarda.
Elif Şafak publicou Araf (The Saint of Incipient Insanities) em 2004. Neste livro, o leitor encontra jovens de diferentes religiões, culturas e origens. Têm em comum o facto de terem ido viver para Boston. Quando Elif Şafak aborda o encontro destas personagens, percorrendo os novos percursos de vida de cada um, refere também a solidão, o ser «estrangeiro», o falar uma outra língua. O título turco deste romance traduzir-se-ia para «O Purgatório», levando a crer que os protagonistas do romance não poderiam ser ocidentais no Oriente nem orientais no Ocidente. Além disso, este título é também uma referência à sétima sura do Corão e à obra Divina Comédia, de Dante. Neste romance, Elif Şafak expõe claramente as diferenças entre Oriente e Ocidente, podendo o leitor compreender facilmente a sua ideologia. Além disso, a autora repete a referência a aspetos significativos, como a colher, o chocolate, o Ocidente e o Oriente ou a hora. No final da história, o significado de todas estas questões é aprofundado. Şafak escolheu cuidadosamente os estatutos das suas personagens principais, não deixando ao acaso as identidades culturais de cada um, os seus pertences, as suas ambiguidades e a sua nacionalidade num país estrangeiro. Deste modo, Şafak procurou expor os principais problemas que a ocidentalização da Turquia trouxe para a sociedade.
A relação entre Oriente e Ocidente é também um dos temas relatados em Iskender (The Honour), escrito primeiramente em inglês e traduzido para turco em 2011. Iskender não é apenas o título turco do livro, dando também nome ao herói da história. Iskender simboliza a masculinidade interior da própria autora. Elif Şafak cresceu sem o pai, o que teve sempre implicações no seu desenvolvimento e na sua procura por uma posição de poder. Em Iskender, Şafak procura transpor a sua versão idealizada de um homem. Esta obra aborda a violência contra as mulheres e o sufismo. Em simultâneo, explora os conflitos resultantes do conflito entre estilos de vida modernos e tradicionais, problemas Oriente-Ocidente, feminismo, identidade, dualismo e ainda a imigração. Şafak é defensora dos direitos das mulheres, pelo que a figura da mulher está sempre presente na sua obra, o mesmo acontecendo com os direitos das mulheres, a mulher oprimida ou a violência sobre mulheres. O romance conta a história de imigrantes e de crimes de honra cometidos sobre uma família turca emigrada em Londres. A heroína, Esma, tem plasmadas algumas características da própria autora. Esma, que deseja ser escritora, procura um equilíbro entre as suas tradições e o mundo moderno. Şafak também tentou explicar a dicotomia Oriente-Ocidente, vista pelos olhos das mulheres. Dizia que «Este, Oeste, Norte ou Sul faz pouca diferença. Qualquer que seja o vosso destino, garantam que é a vossa viagem, uma viagem ao vosso interior.» (TedXGlobal)
Também em Aşk (The Forty Rules of Love), escrito originalmente em inglês e traduzido mais tarde para turco, a autora aborda as relações com o Ocidente, unindo o passado ao presente. Em 2009, este romance foi traduzido para diversas línguas, tornando-se um bestseller a nível internacional. Trata-se de um romance sobre guerras de amor e sobre a tristeza do amor divino. Aqui, Şafak tenta replicar um amor espiritual similar ao amor terreno de Şems e Mevlana. As suas práticas sufistas descrevem uma nova vida para a heroína da história, Elia Rubstein. Nesta obra, duas histórias fundem-se para concretizar a visão intemporal de Amor de uma das personagens, Rumi. De forma inteligente, o romance conta a história de quatro pessoas: duas que viveram no século XIII, na Turquia, as outras duas vivem no séc. XXI. Aşk abre as portas de um novo mundo a Ella, tal como já o tinha feito a Rumi, há oito séculos. Neste romance, Amor é liberdade. A linguagem de Şafak é incrivelmente poética e transmite um fluxo de pensamento. Aşk aproxima o Oriente ao Ocidente e o passado ao presente, ao mostrar como o amor atua no mundo.
Havan’nın 3 Kızı (Três filhas de Eva) foi escrita em 2016. A autora escreveu-a em inglês e só depois a traduziu para turco. Trata-se de um romance que retrata as diferenças entre a Turquia e a Europa no passado e no presente. As três filhas de Eva são Peri, Mona e Shirin. Na história, Peri depara-se com um vazio na alma. Quando chega à Universidade de Oxford, para estudar, tem em Mona e Shirin as suas melhores amigas. As duas simbolizam as diferenças entre pessoas: Shirin é ateia e confiante, Mona é modesta e religiosa. Şafak descreve-as como a pecadora, a crente e a confusa. O epicentro da história narra a relação de Peri com um professor em Oxford, que leva os seus estudantes a questionarem-se cada vez mais e a refletirem profundamente sobre a natureza de Deus. O romance procura explicar, uma vez mais, a dicotomia Oriente-Ocidente, mas também a fé e a ausência de fé, bem como a relação entre Deus e a ciência.
Elif Şafak mantém-se como ativista dos direitos humanos. Além de todo o trabalho em nome da liberdade de expressão e da alfabetização, Şafak é conhecida por advogar a favor dos direitos das minorias e da comunidade LGBT. Vive atualmente em Londres, mas prefere apelidar-se de nómada. O seu corpo reside em Londres mas a alma pertence a várias partes do mundo. Esse espírito nómada espelha a procura incessante da autora de como o Oriente e o Ocidente se encontram.
Antologia breve
Era a minha décima regra: Este, Oeste, Sul ou Norte faz pouca diferença. Seja qual for o destino, cada viagem deve ser também uma viagem ao interior de cada um. Se viajarem convosco próprios, conseguirão viajar por todo o Mundo e mais além.
in The Forty Rules of Love (2010: 86)
Esta é outra das quarenta regras: A Procura do Amor muda-nos. Não há ninguém que, entre aqueles que procuram o Amor, não tenha amadurecido no caminho. O momento em que se começa a procurar o Amor é catalizador de uma mudança… no nosso interior e no exterior.
in The Forty Rules of Love (2010: 110)
“É a Regra Número Quarenta”, disse ela, lentamente. “Uma vida sem amor não é digna de registo. Não perguntem a vós próprios que tipo de amor devem procurar, se espiritual, se material, se divino, se terreno, se Ocidental, se Oriental… As divisões apenas levam a mais divisões. O amor não conhece rótulos, não conhece definições. É o que é, puro e simples.
in The Forty Rules of Love (2010: 350)
O amor é a água da vida. E aquele que ama tem uma alma de fogo!
in The Forty Rules of Love (2010: 350)
O universo transforma-se quando o fogo ama a água!
in The Forty Rules of Love (2010: 350)
Selma anuiu com um gesto de cabeça; não obstante, reparara noutras coisas, quando olhara em redor: estudantes a emborcarem cerveja a um canto, uma mulher de vestido tão curto que podia ser uma camisa de noite, um homem a acariciar a namorada, cujo decote era mais profundo do que a lacuna entre Selma e o marido … Como é que podia deixar Peri sozinha entre aquela gente? Os ocidentais podiam ser muito evoluídos na ciência e na educação e na tecnologia, mas, e a moral?
in Três Filhas de Eva (2018: 117)
Selma olhou com ar reprovador para a saia curta da rapariga, os saltos altos, a maquilhagem carregada. Aos seus olhos, Shirin não parecia uma aluna. E muito menos iraniana.
in Três Filhas de Eva (2018: 121)
A Europa imprime livros desde a Idade Média. Não sei ao certo quando é que o Médio Oriente começou a fazê-lo, mas sei com toda a certeza, que estamos condenados … o Irão, a Turquia, o Egito. Tudo bem, têm uma cultura muito rica, música boa, óptima comida. Mas os livros são conhecimento e o conhecimento é poder, certo? Como é que se pode colmatar essa lacuna?
in Três Filhas de Eva (2018: 126)
Depois disto, fomos para Portugal. Eu gostei, mas o Baba não. Sempre fumando, queixando-se. Dois anos em Lisboa e, quando eu já tinha aprendido português suficiente, zás! Façam as malas, meninos, vamos para Inglaterra, a Rainha espera-nos!
in Três Filhas de Eva (2018: 127)
Agradecimentos. […] A minha terra-mãe, a Turquia, é um país-rio, nrm sólido nem estável. Durante a escrita deste romance, esse rio mudou muitas vezes, fluindo a uma velocidade estonteante. […] Amamos a nossa terra-mãe, sem dúvida; mas, por vezes, ela também pode ser exasperante e enlouquecedora. Contudo, aprendi com o tempo que, para os escritores e os poetas para os quais as fronteiras nacionais e as barreiras culturas existem sempre a fim de serem questionadas, uma e outra e outra vez, na verdade só existe uma terra-mãe, perpétua e portátil. A terra das histórias.
in Três Filhas de Eva (2018: 417)
Bibilografia ativa selecionada
ŞAFAK, Elif (2018), Três Filhas de Eva, tradução de Tânia Ganho, Lisboa, Quetzal.
— (2016), A Cidade nos Confins do Céu, Queluz de Baixo, Jacarandá.
— (2016), The Three Daughters of Eve, Penguin Books.
— (2015), A Bastarda de Istambul, tradução de Maria João Freire de Andrade, Queluz de Baixo, Jacarandá.
— (2011), Iskender (The Honour), Doğan Kitap.
— (2010), The Fourty Rules of Love, Penguin Books.
Bibliografia crítica selecionada
AKMAN, Nuriye (Söyleşi) (2002), “Sekiz ayrı yüzüm var, sekizi de birbiriyle çelişiyor?“ [I have eight different faces, all of them contradict?] Zaman Gazetesi.
BIRKIYE, Atilla (2004), “Kararsızlık, Araf, Hamlet”, Varlık, Aralık.
DEMİR, Fethi, Elif Şafak’in İskender Romaninda Bir Töre Cinayeti Bağlaminda Anne-Oğul İlişkisine Bakiş. Disponível em: http://www.turkishstudies.net/Makaleler/1.
KAFAOĞLU-BÜKE, Asuman (2004), “Araf ya da Beklemedeki Ruhlar”, Cumhuriyet Kitap Eki.
KARABURGU, Oğuzhan 2013, ‘’Baba ve Piç Romanı ve Simetri’’, OkaraBurgu. Disponível em: http://www.okaraburgu.com/makaleler/243-baba-ve-pic-romani-ve-simetri.html.
KIZILARSLAN, Yeliz (2008), “Elif Şafak’ın Araf’ında Yabancılık Halleri”, Bianet.
ÖĞÜT, Hande (2006), “Hafızanın Kapılarını Kırmak?”, [Breaking the door of memory] Radikal Kitap Eki.
ÖZKAN, Fadime (Söyleşi) (2004),”?Çok Olmak? Mümkün!?, [?To be more, it is possible?], Zaman Gazetesi.
TAYMAN, Enis (Söyleşi) (2006), “70?leri Hatırlarsak, Bu İleri Bir Adım?”, [If we remember, it means the next step?] Tempo, S. 39/982.
WALTER (2017), Three Daughters of Eve Review, The Guardian.
Sesil Ertür (trad. Cristina Vilas-Boas Vaz)
Como citar este verbete:
ERTÜR, Sesil (2019), “Elif Şafak”, trad. Cristina Vilas-Boas Vaz, in A Europa face a Europa: prosadores escrevem a Europa. ISBN 978-989-99999-1-6. https://aeuropafaceaeuropa.ilcml.com/pt/verbete/elif-safak-2/