(1937 – )
Escritor, dramaturgo, guionista e tradutor grego nascido em Istambul (Turquia), de um pai arménio e de uma mãe grega, Petros Markaris destaca-se pelo cosmopolitismo europeu marcado e reivindicado. Poliglota, traduziu Goethe e é um especialista reconhecido da obra de Brecht.
De resto, notabilizou-se na produção do guião do filme A Eternidade e um Dia do seu compatriota cineasta Theo Angelopoulos, filme esse premiado com a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 1998.
Mas é sobretudo enquanto autor de romances policiais que se deu a conhecer e foi traduzido no estrangeiro, nomeadamente a partir da série de inquéritos policiais do comissário ateniense Kostas Charitos, o qual resolve casos bastante insólitos que têm como pano de fundo a Grécia contemporânea e os seus problemas no seio de uma Europa a desmoronar-se. Aliás, há que notar que Markaris foi um cronista atento e implacável da gestão e dos efeitos da crise das dívidas soberanas na Europa, nomeadamente no seu impacto sobre a Grécia, bem como da crise dos “migrantes” para o Velho Continente, sendo que algumas ilhas gregas continuam a constituir um porto de chegada.
Petros Markaris e a sua obra receberam vários prémios e decorações: Prémio Pepe Carvalho (2012), Medalha Goethe (2013), Prémio Quais du Polar (2013), Ordem de Mérito pela embaixada alemã em Atenas (2014), mas também o Prémio do romance policial europeu para Liquidations à la grecque [Liquidações à grega*] (2013), sendo que este romance consta igualmente da lista de pré-seleção com vista à atribuição do Prémio do Livro Europeu 2013, um galardão instituído pelo Parlamento Europeu no intuito de fomentar a adesão ao espírito e projeto europeus.
É precisamente em Liquidações à grega (2010) [Lixiprothesma dania, em grego], publicado e impecavelmente traduzido em francês em 2012 por Michel Volkovitch, que nos focaremos, sendo que a epígrafe, ao invocar Bertold Brecht, surge muito oportuna: “Quem é o maior criminoso: o que rouba um banco ou o que funda um banco?” (9). Nesta mais recente aventura policial, o comissário Charitos tem de investigar uma série de atentados insólitos e embaraçosos, os quais visam, na Grécia, altos representantes da finança, numa altura em que o país se encontra sob a tutela da troika e das ordens orçamentais europeias. Um antigo governador do Banco central é encontrado decapitado na sua propriedade. Mais tarde, é a vez do diretor da First British Bank em Atenas, e finalmente, a terceira vítima não será nada menos do que um responsável neerlandês de uma agência de rating que acaba de baixar a nota da dívida grega, e cujo cadáver é encontrado num bar gay ateniense.
Mas, para além do suspense – inevitável no romance policial – e a acumulação de pistas falsas e de indícios até ao desfecho do enigma, é manifestamente o contexto da narrativa que nos interpela: desemprego, empobrecimento generalizado, precariedade e imigração da juventude, manifestações quotidianas em Atenas, enquanto cartazes são afixados nas ruas mediante o recurso a imigrados, e anúncios são publicados nos jornais com uma palavra de ordem bastante desconcertante: “Não paguem!”.
Assim, subtilmente, é mesmo a destruidora crise económica grega, vista a partir do interior, mas infligida pela Europa, que é aqui retratada por Petros Markaris:
Não ligues ao que te dizem os colegas acerca dos Hyundai e dos Nissan, dizia-me Guikas. Opta por um carro europeu para ficares descansado. Um Volkswagen ou um Peugeot. Isso, sim, é um carro.
Por fim, foi Phanis a decidir a questão.
Compra um Seat Ibiza.
Porquê?
Por solidariedade entre pobres. Nesta altura, os espanhóis e os portugueses estão a ser trucidados, tal como nós. Somos os PIIGS, os porcos. Logo, um porco tem de ajudar outro, em vez de ir atrás dos tubarões. (13-14)
Assim, através da investigação em curso, as personagens (testemunhas e suspeitos) vão expressando os seus estados de alma acerca da crise grega e a sua opinião muito amarga acerca da União europeia, sobretudo no plano bancário: “- Nikitas Zissimopoulos era o governador do Banco central. Foi ele que o introduziu na bolsa e o abriu à Europa. Por essa altura, o banco conseguiu lucros fabulosos” (25). Os testemunhos vão todos no mesmo sentido; tornou-se impossível viver decentemente na Grécia: “- Ele foi-se abaixo, diz ela. Tinha um monte de cheques sem cobertura, e a gaveta da caixa registadora estava vazia. Pediu um empréstimo ao banco, mas este recusou: tinha demasiadas dívidas e doravante os empréstimos são concedidos ao conta-gotas” (98); “Em que planeta vives? Exclamou, indignada. Hoje a maioria dos casais jovens não consegue sobreviver sem o apoio dos pais! E com a crise, agora, ficou tudo ainda pior!” (86).
A palavra “dívida” revela-se incontornável e aplica-se a todos os níveis do país. Donde o título do romance policial, que já diz muito acerca da visão do autor: “liquidações [note-se o plural] à grega”.
Logo, é uma certa ideia crítica e cética da Europa que nos é transmitida, com maior razão num contexto em que as disparidades e os egoísmos europeus norte-sul se fazem sentir violentamente.
* Socorremo-nos da tradução francesa. As traduções em português neste verbete são nossas e sempre a partir da versão francesa.
Antologia breve
A chatice para nós, é a família não viver na Grécia, e não sabe se a Grécia pertence à zona euro, está fora do tempo europeu. Utilizam a mesma moeda que nós, mas para eles o tempo corre de forma diferente.
Fitamo-lo. Ou, melhor, fuzilamo-lo todos com os olhos, e ele lá perdeu de imediato a petulância.
Desculpem. Estava a brincar.
A vantagem, com os europeus, é terem a desculpa sempre pronta, quer seja para matar ou brincar.
in Liquidations à la grecque (2012: 328)
Tudo isto é um golpe dos alemães, defende Kalliopoulos da Brigada antiterrorista. São eles que puxam os cordelinhos na União Europeia, e fazem pressão para que esta nos ponha a corda no pescoço.
in Liquidations à la grecque (2012: 24)
Quatrocentos euros de reforma, eis o que recebo! diz-me ele aos berros. O que é que a Europa me pode tirar? Diz-me: que alemão, que francês, que sueco pode viver com quatrocentos euros por mês? No verão, vejo as ilhas a afundarem-se sob o peso dos reformados franceses, suecos e alemães. Eu cá, nem de binóculos vejo a ilhas, com os meus míseros euros, nem binóculos posso comprar.
in Liquidations à la grecque (2012: 49)
Talvez a Europol devesse mandar-nos uma troika… diz Sifel. Bem, estou a brincar.
O seu ar superior permite desconfiar.
Guikas cora, mas mantém o sangue-frio.
A polícia grega até se defendeu bem face às organizações terroristas. Até agora desmantelamos duas, como já sabem.
Oiçam. Desde a chegada da Troika, a Grécia fez umas reforms que não tinha feito, diz Sifel sério, agora. Acho que uma troika da polícia europeia vos ajudaria a trabalhar de forma mais rápida.
A polícia grega, responde Guikas, colabora com as polícias de Europa.
Ela colabora também com a Comissão europeia, mas deu-lhe números falsificados…
in Liquidations à la grecque (2012: 226-227)
Bibliografia ativa selecionada
MARKARIS, Petros (2012), Liquidations à la grecque [Lixiprothesma dania, 2010], Paris, Seuil, col. “Points”.
Bibliografia e webgrafia críticas selecionadas
STAVROULA, Kefallonitis (2011), “La langue de l’identité en question chez Hérodote d’Halicarnasse, Petros Markaris et Fatih Akin”, in CLAVARON, Y. / DUTEL, J. / LÉVY, C. (eds.), L’Étrangeté des langues, Saint-Étienne, Presses universitaires de Saint-Étienne, 35-45.
https://gauchazh.clicrbs.com.br/mundo/noticia/2016/09/europa-trata-refugiados-como-lixo-denuncia-markaris-cronista-da-crise-grega-7618826.html [último acesso em 05/03/2019]
https://eu.greekreporter.com/2013/03/31/detective-fiction-author-markaris-awarded/ [último acesso em 05/03/2019]
https://www.dw.com/en/petros-markaris-what-tsipras-sees-as-strength-will-be-weakness-tomorrow/a-18572340 [último acesso em 05/03/2019]
José Domingues de Almeida
Como citar este verbete:
ALMEIDA, José Domingues de (2019), “Petros Markaris”, in A Europa face à Europa: prosadores escrevem a Europa. ISBN 978-989-99999-1-6. https://aeuropafaceaeuropa.ilcml.com/pt/verbete/petros-markaris-2/