W. H. AUDEN

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W. H. AUDEN

(1907-1973)

Auden nasceu em York, Inglaterra, em 1907, tendo emigrado para os Estados Unidos em 1939 e adquirido cidadania americana sete anos depois. A sua poesia oferece-nos a visão de um europeu a escrever sobre acontecimentos europeus, à distância de um oceano.

A visão do poeta é muito marcada pela perspetiva anti-institucional de um homem de letras que se recusou a escrever propaganda para ajudar ao esforço de guerra. Se, por um lado, o autor insere os eventos que devastaram a Europa de meados do século numa perspetiva histórica (assegurando-se de que a vida continua), por outro, lamenta a persistência da ganância e da arrogância humanas. É de notar que, apesar de condenar muito veementemente os responsáveis políticos pelo conflito, o autor é muito empático com indivíduos dos dois lados, compreendendo como alguém se pode encontrar num dos lados do confronto, e está constantemente disposto a perdoar, ainda que sem esquecer, os efeitos da guerra.

Assim, “Memorial for the City”, por exemplo, estabelece um paralelo entre as batalhas da Antiguidade Clássica e a Segunda Guerra Mundial, relativizando o peso desta última na História. A proposta do sujeito poético narrador é que a guerra é sempre a mesma: sempre motivada pelas mesmas razões e sempre com o mesmo desfecho, independentemente de quem ganha – «meaningless moment in an eternal fact» (Auden 1976: 592). No poema, os cenários das batalhas são observados da perspetiva alternada de um corvo e de uma câmara – elementos externos à ação que servem como uma projecção do espectador na cena. O sujeito poético recusa-se também a atribuir culpas, reconhecendo que nenhum lado é melhor que o outro e que na guerra não há razão – «there is no one to blame» (ibidem). Outra fonte de consolo é a crença cristã na sublimação pelo sofrimento: «our grief is not Greek: as we bury our dead / we know without knowing there is reason for what we bear, / that our hurt is not a desertion» (ibidem); afinal, os gregos antigos não acreditavam no poder purificador do sofrimento nem num deus com um plano inefável. Posto isto, o sujeito narra a história humana como uma demanda pelo melhoramento da Urbe: revoluções, conquistas e descobertas são passos para chegar a uma cidade mais perfeita, a qual pode ser vista como uma nova Jerusalém ou a matriz de uma futura Europa. É importante, depois do trauma, o projecto de construção de algo melhor.

Em “A walk after dark” voltamos a encontrar o desequilíbrio entre a escala temporal da natureza e a escala temporal dos homens, lembrando que algo sempre sobrevive independentemente do terror e da destruição. Referem-se outras desgraças, os velhos que lhes sobreviveram e como só os jovens ainda se deixam chocar por elas – «only the young and the rich / have the nerve or figure to strike / the lacrimae rerum note» (idem: 346). Neste poema, a realidade pós-guerra é descrita como um “post-diluvian world”, para o qual foram definidas regras, de maneira a garantir mudança. Porém, o autor não tem como saber se estas condições serão respeitadas e teme que novos conflitos se iniciem pela calada, sem nada que se possa fazer para o impedir. O sujeito mostra como as pessoas foram enganadas e ignoradas, e culpa os poderosos e ambiciosos – «what needn’t have happened did» (ibidem) –, sublinhando a importância de não voltar a ceder a demagogias e populismos. Outra das preocupações do sujeito é o julgamento, tanto pelos vindouros como pela Providência, da sua geração: dos incitadores diretos da guerra, mas também daqueles que não fizeram o suficiente para a impedir.

Em 1946, perante vários ex-alunos de Harvard, numa cerimónia que promovia a reflexão sobre as mudanças que a guerra tinha trazido e o caminho que importava seguir, Auden apresentou “Under which lyre”. O poema refere os locais de bombardeamentos na Europa que Auden visitara no ano anterior como parte do U.S. Strategic Bombing Survey, focando-se de seguida nos jovens regressados da guerra que voltavam à normalidade da universidade e a dissonância entre as posições de alta responsabilidade que ocupavam e a vida a que regressavam. Numa nota mais ácida, rejeita de forma veemente a obrigação imposta aos homens de letras, intelectuais e professores em integrar o esforço de guerra como panfletistas, e aplaude, com o fim do conflito, o regresso da liberdade de opinião e do espaço para o artista se dedicar ao que a sua consciência lhe dita. Posto isto, salienta duas novas forças motrizes. De um lado, coloca os seguidores de Apolo, trabalhadores institucionais, representantes da arte oficial – falsificada, sem essência, um reflexo de uma ideologia que precisa de mostrar trabalho, sem sentido crítico – «Truth replaced by Useful Knowledge; / He pays particular attention to Comercial Thought, Public Relations, Hygiene, Sport» (idem: 337) – visão que associa aos Estados Unidos e ao espectro político propagandístico. De outro lado, os seguidores de Hermes, anti-institucionais, anti-sistema, visão que o autor apoia como única maneira de combater a degeneração das universidades que passaram de locais que deveriam cultivar a liberdade e o espírito a instituições aparatosas e excessivamente formais. A nova ameaça apresentada por Auden, depois da Segunda Guerra Mundial, é a tirania subliminar das instituições, da autoridade e dos peritos que só pode ser combatida com o anti-conformismo.

Com “The shield of Achilles”, Auden apresenta um cenário de guerra: terra desolada, multidão acrítica guiada por uma voz sem rosto para o luto – «they marched away enduring a belief / whose logic brought them, somewhere else, to grief» (idem: 597) – apatia reinante perante a brutalidade normalizada – «a crowd of ordinary decent folk / watched from without and neither moved nor spoke / as three pale figures were led forth and bound / to three posts driven upright in the ground» (ibidem) – e a morte da dignidade dos homens muito antes da sua morte física. Esta perda de valores está eficazmente reflectida nos seguintes versos: «that girls were raped, that two boys knifed a third / were axioms to him, who’d never heard / of any world where promises were kept / or one could weep because another wept» (idem: 598). Cruzada com esta narrativa, surge a história da oferta do escudo de Aquiles e a descrição de como a sua mãe, Tétis, inspirada por ideais de jovens guerreiros, o admira, esperando ver reflectidas no escudo as glórias que o seu filho iria alcançar; contudo, tudo o que vê é devastação, miséria e a morte iminente de Aquiles.

Tendo em consideração a dura crítica que Auden faz em toda a sua poesia aos dirigentes políticos, é curioso o poema “Secondary epic” onde se sugere que, à época, era impossível prever a guerra – com base nisso o autor relativiza, parece-nos, a conduta do então primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain e a passividade dos aliados no início da Segunda Guerra Mundial.

Outra figura que Auden encara com alguma compreensão é Josef Weinheber (autor austríaco que vivia em frente à casa onde Auden passava férias), num poema com o mesmo nome. A mensagem deixada ao poeta colaboracionista é de compreensão e lamento, sentimento comum a vários artistas do regime por quem sente empatia. «Categorised enemies / twenty years ago, / now next-door neighbours, we might / have become good friends, / sharing a common ambit / and love of the Word, / over a golden Kremser / had many a long / language on syntax, comas, / versification.» (idem: 756-757). Note-se que “categorised” exprime a ideia da rápida tomada de decisões, exigida pela guerra, sem espaço para questionamento. As pessoas são “categorizadas” com base numa das suas escolhas e não com base na sua humanidade comum. Robert e Darby afirmam que o autor “does not approach Weinheber from a standpoint of secure moral superiority, so much as from the perspective of one who has understood how clerks might commit treason, and that good poets might be bad men or do bad things” (2017).

Esta problemática é recuperada em “«The truest poetry is the most feigning»”, que remete para a perseguição à arte conduzida pelos regimes ditatoriais durante a guerra. Nesse sentido, Auden satiriza um pequeno guia para transformar um poema romântico numa ode a um general, confiando que haverá quem entenda a ironia e entreveja a verdadeira intenção do autor. Isto é o que, na sua óptica, não acontece com muitos dos artistas do regime, que são julgados categoricamente pela posterioridade, sem compreensão ou vontade de procurar uma humanidade comum.

O poema “There will be no peace” aborda a experiência de viver com o conhecimento das atrocidades cometidas e do papel que se desempenhou direta ou indirectamente nesses eventos, assim como o sentimento de responsabilização geral, a certeza da atribuição de culpa aos dirigentes, mas também às pessoas que de alguma maneira colaboraram. A paz referida no poema é uma paz espiritual, que jamais poderá ser alcançada enquanto se perpetuarem os eventos que marcaram toda a sua geração.

Lista de poemas sobre a Europa

“A walk after dark”, Nones (1951)
“Memorial for the City”, Nones (1951)
“The Shield of Achilles”, The Shield of Achilles (1955)
“Under which lyre, a reactionary tract for the times”, Poems (1960)
“Shorts”, Collected Shorter Poems (1966)
“The managers”, Collected Poems (1976)
“There will be no peace”, Collected Poems (1976)
“Partition”, Collected Poems (1976)

 

Antologia breve

The Shield of Achilles

She looked over his shoulder
For vines and olive trees,
Marble well-governed cities
And ships upon untamed seas,
But there on the shining metal
His hands had put instead
An artificial wilderness
And a sky like lead.
A plain without a feature, bare and brown,
No blade of grass, no sign of neighbourhood,
Nothing to eat and nowhere to sit down,
Yet, congregated on its blankness, stood
An unintelligible multitude,
A million eyes, a million boots in line,
Without expression, waiting for a sign.
Out of the air a voice without a face
Proved by statistics that some cause was just
In tones as dry and level as the place:
No one was cheered and nothing was discussed;
Column by column in a cloud of dust
They marched away enduring a belief
Whose logic brought them, somewhere else, to grief.
She looked over his shoulder
For ritual pieties,
White flower-garlanded heifers,
Libation and sacrifice,
But there on the shining metal
Where the altar should have been,
She saw by his flickering forge-light
Quite another scene.
Barbed wire enclosed an arbitrary spot
Where bored officials lounged (one cracked a joke)
And sentries sweated for the day was hot:
A crowd of ordinary decent folk
Watched from without and neither moved nor spoke
As three pale figures were led forth and bound
To three posts driven upright in the ground.
The mass and majesty of this world, all
That carries weight and always weighs the same
Lay in the hands of others; they were small
And could not hope for help and no help came:
What their foes like to do was done, their shame
Was all the worst could wish; they lost their pride
And died as men before their bodies died.
She looked over his shoulder
For athletes at their games,
Men and women in a dance
Moving their sweet limbs
Quick, quick, to music,
But there on the shining shield
His hands had set no dancing-floor
But a weed-choked field.
A ragged urchin, aimless and alone,
Loitered about that vacancy; a bird
Flew up to safety from his well-aimed stone:
That girls are raped, that two boys knife a third,
Were axioms to him, who’d never heard
Of any world where promises were kept,
Or one could weep because another wept.
The thin-lipped armorer,
Hephaestos, hobbled away,
Thetis of the shining breasts
Cried out in dismay
At what the god had wrought
To please her son, the strong
Iron-hearted man-slaying Achilles
Who would not live long.
(Auden 1976: 596-598)

 

Shorts
Epitaph for the Unknown Soldier

To save your world, you asked this man to die:
Would this man, could he see you now, ask why?


O where would those choleric boys,
Our political orators be,
Were one to deprive them of all
Their igneous figures of speech,
If, instead of stamping out flames
Or consuming stubble with fire,
They could only shut out a draught
Or let in a little fresh air?
(Auden 1976: 570-571)

 

Marginalia

A dead man
who never caused others to die
seldom rates a statue.

Small tyrants, threatened by big,
sincerely believe
they love Liberty.

No tyrants ever fears
his geologists or his engineers.

Tyrants may get slain,
but their hangman usually
die in their beds.

Patriots? Little boys,
obsessed with Bigness,
Big Pricks, Big Money, Big Bangs.

In States unable
to alleviate Distress,
Discontent is hanged.

When Chefs of State,
prefer to work at night,
let the citizens beware.
(Auden 1976: 788-780)

 

Bibliografia ativa selecionada

AUDEN, W. H. (1976), Collected Poems, Londres, Faber and Faber.

 

Bibliografia crítica selecionada

ROBERT, Jane, & DARBY, Trudi (2017), English Without Boundaries: Reading English from China to Canada, Newcastle upon Tyne, Cambridge Scholars Publishing.

 

Ana Cunha

 

Como citar este verbete:

CUNHA, Ana (2020), “W. H. AUDEN”, in A Europa face à Europa: poetas escrevem a Europa. ISBN: 978-989-99999-1-6. https://aeuropafaceaeuropa.ilcml.com/pt/verbete/w-h-auden/