(1910-1990)
Ricardo Carvalho Calero foi o polígrafo galego mais importante da segunda metade do século XX, a nível nacional. Licenciou-se em Direito e Letras e foi escritor, crítico literário, poeta, ensaista, novelista, dramaturgo e docente, entre outras atividades.
Foi colaborador em inúmeros jornais e revistas, entre os quais podemos destacar Vida Gallega, La Noche, El Correo Gallego, El Compostelano, Aturuxo, Céltiga, A Nosa Terra e Agália. Neles, publicou quer artigos quer poemas.
Apesar de ser mais conhecido e reconhecido como docente e ensaista, com obras importantíssimas como a sua História da Literatura Galega Contemporánea e a Gramática Elemental del Gallego Común, foi um poeta prolífico. Pertenceu à Geração do Seminário de Estudos Galegos, tal como ele a denominou na sua História, e escreveu mais de 700 poemas, sendo a metade deles em língua galega (português da Galiza). A maior parte da sua poesia está recolhida nos poemários Pretérito Imperfeito (1980), Futuro Condicional (1982), Cantigas de Amigo e outros poemas (1986) e Reticências… (1990). Os poemas que achamos, relacionados com a Europa e a II Guerra Mundial, figuram em Futuro condicional e Reticências….
Nos dois primeiros poemas temos referências à II Guerra. No primeiro, “Sétima frota”, aparecem do seguinte modo: “Éramos muitos, altos, loiros. / Mariñeiros. / Americanos. / Estábamos en guerra / e querian nos divertir”. Aqui, Carvalho Calero situa-se entre os soldados americanos, descrevendo como estes se divertem olhando para mulheres nuas, enquanto traça um paralelismo com as lendas gregas, comparando-as com sereias e elaborando uma apresentação que nos poderia lembrar a Vênus de Botticelli, tentando cobrir as partes impúdicas do seu corpo. O segundo poema, “No Búnker”, é todo ele uma recriação do que poderá ter acontecido quando o ditador se suicidou, junto com a sua mulher. Antes de findar a guerra.
Nos três últimos há referências diretas à Europa. Em “Auletés”: “Abeirado à areia de Líbia ou à chaira central de Europa, / o auletés, / coidando en legionários ou cosacos, / barboleta saudosa, zuga o mel / da triste flor da flauta, / pandiando baixo o klaft ou tricórnio / a saudosa cabeza pendurada do alén”. No poema “A rainha, orgulhosos seios de ouro”: “A rainha, orgulhosos seios de ouro, / no horizontal arminho está rendida. / No seu sonho galopa para a vida, / Europa a cavalgar o branco touro”. Finalmente, em “A Orquestra Filarmónica de Osaka”: “Ásia digere Europa. O pragmatismo / assume o romantismo. O eslavismo / acolhe o germanismo. O sinecismo / sob o teu signo reina”, “alguns povos vestígios de seu, matam / coas tuas armas, amam / cos teus beijos, falam coas tuas palavras, / mais cada vez, cada vez mais, Europa” e “Mas o mundo vai-se fazendo Europa / enquanto Europa vai fazendo o mundo”. Estes dois últimos poemas mostram, com claridade, a ideia de que a Europa está a se renovar, a se fazer um lugar melhor, e o mundo todo está a seguir o seu exemplo.
Lista de poemas sobre a Europa
– “Sétima frota”, Futuro Condicional (1982)
– “No búnker”, Futuro Condicional (1982)
– “Auletés”, Futuro Condicional (1982)
– “A rainha, orgulhosos seios de ouro”, Reticências… (1990)
– “A Orquestra Filarmónica de Osaka”, Reticências… (1990)
Antologia breve
SÉTIMA FROTA
Éramos muitos, altos, loiros.
Mariñeiros.
Americanos.
Estábamos en guerra
e querian nos divertir.
¿Onde estábamos? Baixo teito.
Mandaran-nos mozas, cantarinas, danzarinas.
Mozas dos arquipiélagos,
risoñas sereias dos mares do sul.
Unha subia a un tabueiro; alguén no-la amosaba.
Ben a vin. Era salgada e fresca como un peixe.
Puxeron-no-la de frente: e nos peitos e no ventre
veus de follas, flores e xebras velaban-na.
Puxeron-no-la de costas: e vimo-la nua
desde a cabeza aos pes.
E un imenso clamor ergueu-se das nosas gorjas.
(Futuro Condicional, 1982)
NO BÚNKER
Chegou ao búnker Eva Braun. Proibira-lle
Adolfo Hitler que se lle reunise.
Ao ve-la ali, contra as suas próprias ordes,
fingiu asañar-se Adolfo, mais os ollos
brillaban-lle de dita. Amaba-a, logo.
As esperanzas tolas, como a guerra
de oriente e ocidente, ainda aos máis tolos
gearan-se-lles. Balas e cianuro,
a derradera solución. O xefe
preparou-se a morrer. Dispuxo Adolfo
que abandonase o búnker Eva, o búnker
que ia ser panteón para el dormir.
Eva Braun dixo: «Mais ti sabes ben
que non te deixarei». Daquela, Hitler
a boca lle bicou perante todos.
Veu logo o casamento e o suicídio.
Amaba-o, logo.
Eu, Joseph, sacerdote
católico, que en Buchenwald estiven
—devanceiros judeus teño, e obriga-me
Cristo, meu Salvador, a resistir
todo racismo— e torturado foi
o meu corpo e aldrajada a miña alma,
e fiquei para sempre eivado, e ando
nunha cadeira que, de rodas, movo,
vejo no sacrificio da infeliz,
nas faíscas dos ollos do cruel,
no verdadeiro amor que revelaron,
ben que coitado, e desvairado, e cego,
unha liña de luz
no meio das atroces trebas,
que me irmana cos meus verdugos. Cruzo
as mans sobre o meu colo. Non me podo
ajoellar pola miña eiva. E rezo
por ela e el, porque son un cristián
e un sacerdote. Eu, Joseph Dieter Weill.
(Futuro Condicional, 1982)
AULETÉS
En Lokhias tange unha flauta,
en Sanssouci;
asi consola a sua morriña
Ptolomeu;
Friedrich asi.
Esmagadora Alexandria,
ríspeta Postdam;
é melancólico ser rei,
lendo a Catulo ou a Voltaire.
Abeirado à areia de Líbia
ou à chaira central de Europa,
o auletés,
coidando en legionários ou cosacos,
barboleta saudosa, zuga o mel
da triste flor da flauta,
pandiando baixo o klaft ou tricórnio
a saudosa cabeza pendurada do alén.
Non importa estar bébedo
e beliscar a garupa dos dias, ou
dispor as compañias de chumbo
sobre unha mesa rococó.
Grave cárrega é ser rei,
basileus ou könig,
capitán ou sobornador,
contendendo con césar ou kaiser
mediante lume de ouro ou fogo de cañón.
Bañar no rio tépido da música
a alma cansa de esculcar,
é natural;
fia tristeza o rei asi,
o auletés,
en Lokhias ou en Sanssouci,
verme choroso, para se encasular,
que a coita en seda é menos ruin.
Por iso sempre ao empardecer,
tange en Lokhias, en Sanssouci,
a misteriosa flauta real.
Baixo a lua pura e cruel,
entre a triganza do viver,
fia a sua bágoa o auletés.
(Futuro Condicional, 1982)
A rainha, orgulhosos seios de ouro,
no horizontal arminho está rendida.
No seu sonho galopa para a vida,
Europa a cavalgar o branco touro.
A coroa de luz, o verde louro
cantam a sua vitória entrevecida.
E a cabeleira acende-lhe, ferida
de sol, a pel floral, fluvial tesouro.
Lateja a rosa de especioso aroma
baixo o ominoso abraço gandideiro
do fantasma cruel que a apreija e doma.
E entre as névoas do pasmo derradeiro,
inclina-se, paixom que em noite agroma,
sobre os lábios de lume o Cavaleiro.
(Reticências…, 1990)
A Orquestra Filarmónica de Osaka,
em Bratislava interpreta
a Sétima Sinfonia.
Ásia digere Europa. O pragmatismo
assume o romantismo. O eslavismo
acolhe o germanismo. O sinecismo
sob o teu signo reina.
Ti, sobre o branco touro, bela
dos grandes olhos, navegaste
nom só o Mar Nosso, até Creta; tamém
os Sete Mares, conquistadora
do antigo e novo mundo, com exércitos,
com inventos, e máquinas, e ideias,
espargendo a tua força, a tua graça,
a tua moda, a tua ciência, a tua
técnica. E ainda que conservem
alguns povos vestígios de seu, matam
coas tuas armas, amam
cos teus beijos, falam coas tuas palavras,
mais cada vez, cada vez mais, Europa.
O maestro de oblíquos olhos
dirige a tua música
vestido co teu fraque, a estreira
coa tua mao a mao
do primeiro violino.
Só podem superar-te
os que te reconhecem
como mai ou madrasta, os criados
aos teus peitos, os assovalhados
polos teus pés, emancipados ou
manumitidos. Para ser senhores
de si mesmos, tenhem que ter sido
filhos ou servos teus, e ao rebelar-se
contra ti, corroboram-te e proferem
na língua tua a fórmula
da sua independência.
E podem renegar
de ti, porque lhes deste
a consciência de serem eles próprios;
porque ti os concebeste ou os calcaste
co teu selo de fogo,
como no curro
dos montes da Barbança os bravos poldros
de esgrêvias crinas, tardos de domar.
Espalhada por cinco continentes,
vás como umha maré todo alagando.
Pagas o teu tributo aos que dominas.
Tem mais petróleo Ammérica; Japom,
mais cortesias e calculadoras.
Mas o mundo vai-se fazendo Europa
enquanto Europa vai fazendo o mundo.
E o branco touro que te namorara,
polo espaço nadando chega à lua,
para desembarcar-te
em amorosas praias siderais,
onde génios, ou anjos,
ou deuses, a benvida che darám,
oh Europa dos redondos brancos peitos,
interpretando para ti os acordes
do final da Novena Sinfonia.
(Reticências…, 1990)
Bibliografia ativa selecionada
MONTERO-SANTALHA, José Martinho (1992), Carvalho Calero e a sua Obra, Ediciós Laiovento.
— (1982), Futuro Condicional, Ediciós do Castro.
— (1990), Reticências…, Sotelo Blanco.
Paulo Fernandes Mirás
Como citar este verbete:
MIRÁS, Paulo Fernandes (2022), “Ricardo Carvalho Calero”, in A Europa face a Europa: poetas escrevem a Europa. ISBN 978-989-99999-1-6.